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Quero superviver!

25 de abril de 2017. Hoje é um dia de muita gratidão! 17 anos de ostomia.

“Bendiga ao Senhor a minha alma! Bendiga ao Senhor todo o meu ser!

Bendiga ao Senhor a minha alma! Não se esqueça de nenhuma de suas bênçãos!” 
Salmos 103:1,2


Já contei o começo dessa história muitas vezes, se você ainda não leu e tem paciência com textão, pode ler no blog Ostomia Sem FronteirasMas o melhor é que a história continua porque Deus resolveu que ainda continuaria por algum tempo, não sei quanto, portanto, aproveitemos para viver, para agradecer, para superviver.

Superviver é um verbo que uso em minhas palestras. Digo que pessoas sobrevivem, vivem e, algumas, supervivem.

Pessoas com DIIs, doenças inflamatórias intestinais, em geral, quando em remissão das crises, supervivem. Por quê? Porque tem pressa, porque ficaram paradas, por meses ou até anos, somente sobrevivendo. Alguns sobreviventes de câncer ou outras enfermidades graves, também tem essa tendência. Eu tenho essa tendência.
32 anos depois do diagnóstico de Reto Colite Ulcerativa – RCU olho para trás e tenho dificuldade em lembrar-me do quanto sofri. Graças a Deus porque esquecer é mais importante que lembrar. Ainda assim, trago à memória para que eu nunca me esqueça de agradecer, e de me preparar, porque nós não sabemos mesmo, o que nos aguarda.

Lembro das dores, das cólicas, das diarreias, do medo de não dar tempo de chegar a um banheiro. Porque às vezes não dava tempo mesmo.

Lembro da irritação, principalmente tomando 12 comprimidos de corticoide por dia, e mais 6 de sulfassalazina, mais 4 para dor, mais 4 para o estômago, mais 1, para o quê mesmo? Não me lembro, mas eram 27. Não havia biológicos naquela época.

Lembro do medo de perder o emprego. Uma vez fiz uma cirurgia de fístula numa sexta-feira, meu médico pediu repouso por uma semana, mas na segunda eu estava lá, dando aula. Não tinha tido coragem de entregar o atestado, mas tive que entregar porque desmaiei em sala.

Lembro da solidão. Na época, não conhecia ninguém com DII. Lembro das humilhações nas perícias do INSS, um médico me disse um dia: você é professora? Mas esse é um trabalho muito tranquilo (sério, ele disse isso), volte a trabalhar, você pode. E eu voltei. E daí eu piorei de novo.

Lembro das comidas que eu não podia comer: o leite, o chocolate, as fibras, os ácidos. Na verdade, cheguei a um ponto que até mascar chiclete me dava diarreia. Lembro da magreza, da anorexia, porque o que comia, logo saia, e saia com muita dor. Melhor não comer.

Lembro das transfusões de sangue. Confesso que gostava, era um tratamento que não doía e em 2 dias eu estava muito mais forte, até torcia para a hemoglobina baixar de 7, porque daí eu tomava sangue e me sentia bem melhor. Um dia, um tio meu do exército teve que mandar uma van com vários soldados para doar sangue para mim, pois não tinha mais família ou amigos que dessem conta de repor no banco de sangue, eu literalmente vivi um tempo, com o sangue de outras pessoas. Obrigada doadores!!!

Lembro também de coisas boas. Como vivia no banheiro ou de cama, lia muito. Na época não tinha Netflix, meu Netflix era minha imaginação. Lembro das pessoas cuidando de mim. Lembro muito especialmente de um dia – ele não vai lembrar – quando meu marido chorou, por se sentir impotente me vendo tão doente, sem nada poder fazer. Ele não sabia, mas ele fazia muito. Ele estava ao meu lado, ele me viu nas piores horas da minha vida, no pior da minha aparência e do meu humor. E se manteve ao meu lado. Com um otimismo que eu não tenho e, que desconfio, é meio sobrenatural, mas que equilibra bem alguém tão realista como eu. Lembro que a doença me permitiu ficar muito próxima do meu filho enquanto ele crescia, pois eu vivia de licença, mas muitas vezes, de tão fraca, eu não podia nem mesmo dar um banho nele. E penso que me ver tão doente, por tantos anos, não fez lá muito bem para ele, pois hoje é adulto e muito preocupado com doenças. Em compensação é um cuidador maravilhoso. E minha família, igreja e amigos, que sempre me mimaram por demais. Sustentaram-me com carinho, comidas gostosas (as que eu podia), orações e também, apoio financeiro, pois DIIs, quem tem sabe, custam muito caro.

Fui aposentada por invalidez. Quando fiz a cirurgia de ostomia, logo comecei a melhorar, mas tinha medo de me desaposentar. E se eu adoecesse de novo? Trabalhei muito como voluntária durante os anos de aposentadoria. E realmente adoeci de novo. Foram mais cirurgias, que deixaram sequelas, mas consegui terminar mais uma graduação e passei de Professora de Inglês para Psicóloga.

Deus então me incomodou, eu me sentia grata, forte e queria voltar a trabalhar. As humilhações nas perícias, o medo de perder o emprego, ter perdido um concurso público porque adoeci durante o estágio probatório (me disseram que eu não podia ter tomado posse porque tinha RCU e na época eu não soube lutar pelos meus direitos) me paralisaram por muitos anos. Mas, já ouviram falar em salto de fé?  Pois foi o que dei. Por ter amputado o reto, além de ter perdido todo o intestino grosso, os médicos me consideraram apta ao trabalho, pois não tenho sintomas extra intestinais graves da RCU, clinicamente estou muito bem.

Por isso, depois de tantas lutas pela minha saúde, que hoje não é perfeita, mas é boa, sou imensamente grata a Deus. Quero superviver, sim, para honra e glória do meu Senhor, pois sem Ele, nada disso teria sido possível.

É sem dúvida, um dia de muita gratidão!

Meu nome é Damaris Morais, tenho 52 anos e nem 1 ânus 😁😁😁 moro em Catalão/Goiás , sou Psicóloga, tenho Retocolite Ulcerativa.

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