Doze
dicas para suspeitar de charlatanismo
Nas mais
diversas áreas, existem pessoas mal-intencionadas e aproveitadores.
Quando
envolvemos ciência e, especialmente saúde, pode ser muito difícil identificar
se uma informação, tratamento ou profissional são de fato éticos e estão
embasados em evidências sólidas. Chamo de evidências sólidas resultados de
pesquisas científicas com alto rigor metodológico, isto é, avaliações realmente
justas e bem-feitas de uma determinada intervenção. Abaixo, alguns indícios que
sugerem que você está sendo enganado...
1- Retórica:
o processo de tomada de decisão compartilhado entre médico e paciente é uma das
prerrogativas da Medicina atual. Para que uma pessoa possa optar entre este ou
aquele procedimento é importante que seja informada de maneira clara e
compreensível. Linguagem excessivamente técnica muitas vezes é usada como
artifício para induzir o paciente a escolhas menos corretas, já que este é
levado a acreditar que o profissional de saúde detém conhecimento de ponta,
quando não é verdade.
2-
Pseudotítulos: no Brasil, médicos se tornam especialistas após realizarem estágio
supervisionado em programas de residência médica ou através de provas de título
rigorosas ministradas por sociedades médicas reconhecidas pelo Conselho Federal
de Medicina. Não raro, maus profissionais apresentam "pseudotítulos",
isto é, titulação conferida por "sociedades" não reconhecidas, muitas
vezes criadas por eles próprios.
3-
Glamourização: ostentação de clínicas luxuosas frequentadas por celebridades,
consultas e tratamentos a preços exorbitantes, exclusividade, servem para
passar uma imagem de "sucesso" ao público geral. É uma estratégia há
muito usada por marcas de luxo para agregar valor e criar um certo desejo no
consumidor (no caso, no paciente).
4- Falta de
rigor científico: o método científico é rigoroso e hierarquiza os estudos de
acordo com sua qualidade metodológica e força de evidência. Isto quer dizer que
a conclusão de um estudo feito numa cultura de células não tem o mesmo peso que
a conclusão de um estudo realizado em grande número de pessoas. O mesmo serve
para estudos metodologicamente bem feitos e mal feitos. É comum que estudos
ruins e de baixa qualidade sejam usados para justificar as opiniões pessoais do
mau profissional. Assim como estudos robustos e bem desenhados são deixados de
lado, se assim convier. É uma leitura viciada da literatura médica.
5- Excessos
de exames e tratamentos: aprendemos desde cedo que um exame só deve ser
solicitado quando for capaz de beneficiar o paciente de alguma forma, seja
prevenindo, identificando ou monitorando o tratamento de uma doença. O excesso
de exames disfarça a falta de perícia clínica. Passa a falsa impressão de que
se está sendo bem avaliado. Exames não devem ser solicitados sem uma indicação
precisa sob a pena de levarem a mais exames e a mais tratamentos desnecessários
ou, inclusive, deletérios.
6-
Cointervenções: são frequentes as prescrições com extensas fórmulas
manipuladas, associadas a dietas restritivas e outras mudanças na rotina para
pacientes saudáveis ou pouco doentes. Grande parte do que consta na receita
serve para passar a falsa impressão de exclusividade do tratamento que,
diversas vezes, é muito parecido ao convencional, com alguns floreios, além de
disfarçar o uso de substâncias ilícitas ou de indicação controversa. "Esta
receita é tão exclusiva que precisa ser manipulada de acordo com minhas
necessidades biológicas". Será? "Esse HCG está me ajudando a
emagrecer". Nananão.
7-
Ritualização: duas pílulas de açúcar, funcionam melhor do que uma. Uma injeção
de água destilada, funciona melhor que 2 pílulas de açúcar. Uma infusão de soro
colorido por vitaminas, funciona melhor que a injeção de água. Quanto mais
complexo e ritualístico for o tratamento, mais forte é o sugestionamento e o
efeito placebo. Alguns tratamentos têm a complexidade de verdadeiros rituais
esotéricos.
8-
Promessas: corpo perfeito, desintoxicação, juventude, vigor físico, antes versus
depois, cura de doenças crônicas são promessas frequentes.
9- Gurus: o
conhecimento científico é de livre disponibilidade. Qualquer profissional de
saúde bem-intencionado consegue, com boa vontade, ter acesso, interpretar a
literatura científica e citar suas referências. O mau profissional muitas vezes
costuma citar outro charlatão de maior destaque. "Eu faço, porque o Dr.
Fulano, superfamoso, faz". Muitos destes "gurus" ministram
cursos e ganham a vida vendendo informações distorcidas para os maus profissionais.
10-
Polarização: é frequente a polarização entre "produtos naturebas"
versus "indústria farmacêutica", "Medicina moderna e
inovadora" versus "Medicina tradicional e retrógrada",
"hormônio bioidêntico que previne" versus "remédio que promove a
doença", "eu que quero ajudar meus pacientes" versus "todos
os outros médicos que têm inveja do meu sucesso". O discurso do "bem
contra o mal" visa criar uma aura de pureza e honestidade em quem usa a
Medicina para ludibriar e lucrar.
11-
Incriticabilidade: a crítica faz parte da ciência. Como evoluir se algo é
inquestionável? O mau profissional gosta de criticar a "Medicina
tradicional" com discurso filosófico e fracamente embasado, como vimos
anteriormente. Contudo, se torna extremamente agressivo quando se vê
encurralado e lhe faltam argumentos para defender o indefensável.
12-
Intangibilidade: é frequente que tais profissionais sofram com processos éticos
ou mesmo judiciais. Contudo, se dizem injustiçados e perseguidos. Discurso
infelizmente frequente no Brasil dos dias atuais...
Autor: Dr.
Mateus Dornelles Severo
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