Qual é o futuro de quem tem uma doença rara e precisa de remédios de alto custo?
Política que não saiu do papel, centros que não receberam verba, alto preço de medicamentos, ações judiciais e falta de protocolos clínicos. Um cenário difícil.
Para
cada doença, um especialista, um medicamento e um protocolo clínico. Se o
cenário é complexo para as enfermidades mais comuns, como a diabetes, que dirá
de condições que acometem 65 a cada 100 mil indivíduos, caracterizando uma
doença rara raro, segundo a Organização Mundial de Saúde. Pessoas acometidas por
esses males buscam o seu espaço na
assistência no mundo inteiro. E o caminho tem sido tortuoso e difícil.
Um dos principais imbróglios é o alto custo das terapias. De um lado, está a indústria farmacêutica, que quer o retorno investido em pesquisa; do outro, governos que têm dificuldade de custear o tratamento. No meio, o paciente que precisa e uma doença que, muitas vezes, tem causa desconhecida e protocolo clínico indefinido – o que dificulta saber se aquela droga vai prover o resultado esperado, por exemplo.
A
geneticista Dafne Horovitz é uma das especialistas que lida diariamente com
doença raras e suas dificuldades. Ela também é vice-presidente da Sociedade
Brasileira de Genética Médica. À Brasileiros, ela detalhou um pouco mais as
questões envolvidas.
“Muitos medicamentos são novos, não têm registro ou não estão disponíveis no sistema. Também, em muitos casos, falta um programa de tratamento via SUS”.
O
governo demora a incorporar as drogas porque são caras. O paciente, então,
aciona a Justiça para conseguir o medicamento e obriga o Estado a conceder a
terapia. Como passou a ser feito sistematicamente por várias pessoas, o
fenômeno ganhou nome: a judicialização.
O
fenômeno da judicialização está em discussão no mundo inteiro. Semana passada,a Comissão de Seguridade da Câmara Federal fez audiência na qual anunciou que o
governo chega a gastar R$ 1,7 bilhão em ações judiciais com medicamentos de alto
custo. Isso nutre um debate sobre a destinação dos recursos, sob o argumento de
que esses tratamentos acabam por tirar o orçamento da atenção básica – que
poderia atender mais pessoas.
“Não acredito que isso está em discussão. Não há como o Estado decidir que só vai conceder tratamento a alguns. Saúde é um direito de todos e um dever do Estado”, diz Dafne. “Claro, tem a história do cobertor curto, mas é preciso garantir a assistência para todos e há meios eficientes de melhorar a maneira com que isso é feito”
Política que não saiu do papel
Em
2014, foi aprovada no Brasil a Política Nacional de Atenção Integral às Pessoas
com Doenças Raras. Um dos objetivos da medida é estabelecer protocolos clínicos
para essas doenças, padronizar o tratamento, aumentar a qualidade de vida,
diminuir a mortalidade e também o custo das terapias.
A
política lançou 12 protocolos clínicos (os chamados Protocolos Clínicos e
Diretrizes Terapêuticas – PCDT). Até 2018, outros 47 serão lançados. A política
incorporou também 15 exames de biologia molecular e citogenética, além do
aconselhamento genético. Havia a previsão para verbas e centros de tratamento
adequados.
A
geneticista Dafne Horovitz conta, no entanto, que a política não foi
implementada. E que os centros de referência previstos ainda não receberam
verba do Ministério da Saúde.
“O que a gente precisa é que política seja implementada de fato porque ela pode diminuir os custos. A burocracia é grande, e tem que passar ainda para aprovação local e estadual, mas a verba ainda não saiu”, diz Dafne.
A
especialista afirma que a política serviria para conhecer melhor os portadores,
prover a assistência adequada – e conseguir, inclusive, o compartilhamento de
doses entre pacientes. Ela explica que
esses são caminhos para diminuir os custos. “Saber, por exemplo, exatamente
quem precisa e, a partir disso, realizar compras conjuntas.”
Um
outro ponto é que a assistência a essas pessoas não se dá só por meio de
medicamentos. Questões como o acesso a exames e as condições socioeconômicas
têm impacto no quanto a terapia será efetiva para prover a qualidade de vida
necessária ao doente.
“Tem paciente que recebe a droga, mas não possui uma geladeira adequada para armazená-la”, afirma a geneticista. “Ele também tem que fazer todo um acompanhamento clínico adequado e conseguir os exames para esse acompanhamento. Isso significa ter vagas para ultrassonografia e eletrocardiograma, por exemplo.”
Por que as drogas são tão caras?
A
indústria afirma que o alto custo se deve ao investimento em pesquisa e o pouco
comércio de medicamentos – já que é destinado a poucos doentes. Se o valor
cobrado, no entanto, está acima do investimento em pesquisa feito inicialmente,
é uma discussão que precisa ser feita por indústria, países, governos e
associações de pacientes.
As
dez drogas mais caras do mundo são destinadas às doenças raras. Até 2020, o
mercado espera movimentar 144 bilhões de libras, representando 19% de todo o
montante vendido com medicamentos de marca. Os dados são de estudo publicado
esta semana pela revista científica PLOS, que analisou o lucro de 86 empresas
produtoras de drogas para doenças raras.
Os
pesquisadores mostram também que empresas que comercializam drogas para doenças
raras são cinco vezes mais lucrativas e têm 15% mais valor de mercado que
outras indústrias farmacêuticas.
Em
texto sobre o estudo da PLOS, divulgado pela Bangor University, Dyfrig Hughes,
professor de economia farmacológica da Bangor comentou:
“Nossos resultados confirmam preocupações prévias de que as empresas estão lucrando excessivamente e elas assim o fazem colocando preços muito altos para medicamentos destinados às doenças raras.”
O
debate mais aprofundado sobre o preço praticado e a busca de soluções efetivas
para os preços elevados dificilmente ocorre quando o assunto vem à tona. De um
lado, o governo reclama da judicialização, do outro, associações de pacientes e
médicos demandam o tratamento, como acampanha Muitos Somos Raros.
“Talvez tenha gente recebendo medicamento sem tanta indicação, mas a maioria dos pacientes necessita tomá-los. De qualquer forma, o que a gente precisa é se organizar para tratar de verdade essas pessoas.”
“Como médica, não cabe a mim discutir a questão de preços. A maioria das doenças que a gente vê não tem tratamento específico, mas as que têm, e que o remédio pode melhorar a vida do indivíduo, eu, como médica, quero tratar”, salienta Dafne.
Algumas
organizações, como o GTPI (Grupo deTrabalho de Propriedade Intelectual), que reúne entidades como o Idec
(Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor), Médicos Sem Fronteiras e Abia
(Associação Brasileira Interdisciplinar da Aids) têm discutido o acesso aos
medicamentos de alto custo. Enquanto isso, para médicos e pacientes, o que vale
é garantia da qualidade de vida e a necessidade de uma melhor organização do
sistema. Um dia, porém, essas demandas têm que se encontrar.
Fonte: Brasileiros
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