Ana e Pedro
precisam, casa um, de 150 ml de um determinado medicamento para viver. Outras
100 pessoas precisam de 10 ml do mesmo remédio, cada uma. Devemos priorizar o
tratamento de Ana e Pedro ou das outras 100 pessoas?
Nas últimas
semanas, o Supremo Tribunal Federal iniciou um dos julgamentos mais
importantes de sua história. A decisão, que ocorrerá muito em breve,
vai servir como base para juízes definirem se o Estado deve ou não
arcar com o tratamento de doenças raras. Na semana passada, tive a oportunidade
de discutir essas questões pessoalmente com a ministra Cármen
Lúcia, presidente do STF, e com o ministro Marco Aurélio
Mello, relator do processo. Senti que ambos compreendem o impacto que a decisão
que deverão tomar terá sobre a vida de milhões de brasileiros portadores
de uma doença rara, e suas respectivas famílias.
O que são
doenças raras?
De acordo
com a Organização Mundial de Saúde, doenças raras são definidas como aquelas
que têm uma prevalência menor do que 65 casos por 100 000 habitantes. Não há
dados epidemiológicos sobre a prevalência dessas doenças no Brasil, mas, como
em países que dispõem desses dados, o grupo representa cerca de 5% da
população, podemos estimar que 10 milhões de brasileiros tenham uma doença
rara. O número total de doenças raras excede 8 000 e cerca de 80% delas são de
causa genética. Mesmo entre os 20% que não são de causa totalmente genética, em
muitas delas, o componente genético é importante. Portanto, o especialista
mais habituado a atender pacientes com doenças raras é o médico
geneticista. Frequentemente não têm cura, são crônicas e potencialmente
fatais, podendo atingir qualquer família e 75% delas se manifestam ainda
na infância. Importante ressaltar que para 99% das doenças
raras não existe um medicamento específico, apenas para
uma dúzia delas.
O que são
medicamentos órfãos?
Os
medicamentos utilizados para tratar essas doenças raras são
conhecidos como medicamentos órfãos e, por se destinarem a um
número pequeno de pacientes, são em geral muito caros. Eles são denominados
órfãos porque, em condições normais de mercado, a indústria farmacêutica tem
pouco interesse em desenvolver e comercializar medicamentos destinados apenas a
um pequeno número de doentes. Para as companhias farmacêuticas, o custo
extremamente elevado que representa todo o processo até a introdução no mercado
de um remédio não seria recuperado pelas vendas previstas da medicação.
Como resultado disso, o potencial mercado para novos tratamentos farmacológicos
é também pequeno e a indústria farmacêutica chegaria mesmo a incorrer em perdas
financeiras. Por conseguinte, os governos e as associações de doentes defendem
a existência de incentivos econômicos que encorajem os laboratórios a
desenvolver e comercializar medicamentos para o tratamento das doenças raras.
Tudo isso torna tais remédios ainda mais caros, e do ponto
de vista do gestor de saúde, muitos deles dão prejuízo e oferecem pequeno ganho
na sobrevida e na qualidade de vida dos pacientes que os utilizam.
Judicialização
como forma de acesso aos medicamentos órfãos
Não só no
Brasil, mas em todo o mundo, há uma crescente preocupação com os gastos em
saúde, em especial com medicamentos órfãos . No Brasil, a
Constituição, que na semana passada, justamente no dia em que estive no
STF completou 28 anos, destaca no artigo 196, que “[…] a saúde é
um direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e
econômicas que visem à redução do risco de doenças e de outros agravos e ao
acesso universal e igualitário às ações e serviços para a sua promoção,
proteção e recuperação”. Esse conceito tem sido a bandeira da
judicialização da saúde e a Justiça brasileira tem acatado quase como
regra esse argumento. Em grande parte do país, o Ministério da Saúde e as
secretarias estaduais e municipais de Saúde têm lutado contra essa
realidade, alegando limitações impostas em seus orçamentos que levam, segundo
os gestores, à distorção das prioridades epidemiológicas financiadas
pelo orçamento público.
De quem é
a culpa pela explosão da judicialização de medicamentos órfãos?
Não há um
único culpado pelo problema, todas as partes envolvidas têm sua parcela de
culpa. Mas, paradoxalmente, um dos maiores culpados pela explosão da
judicialização dos medicamentos órfãos é o que mais tem
reclamado da judicialização: o próprio governo brasileiro, que historicamente
vem tratando o atendimento aos pacientes com doenças raras de forma negligente
e com enorme descaso. A Sociedade Brasileira de Genética Médica (SBGM), da qual
faço parte e já fui presidente, congrega os médicos geneticistas,
profissionais que atendem pacientes com doenças raras de causa genética.
Desde 2004, a SBGM vem tentando convencer (sem nenhum sucesso)
o Ministério da Saúde de que é fundamental organizar e ampliar o atendimento
aos pacientes com doenças raras. E, quando falamos em atendimento,
estamos falando em um conjunto de atos muito mais abrangentes do
que o tratamento, bem mais abrangentes que o tratamento
medicamentoso. É verdade que o que é judicializado normalmente são só
medicamentos, e não outras áreas de atendimento à saúde, como exames
laboratoriais importantes para o correto diagnóstico de doenças
raras, equipamentos e aparelhos peculiares que pacientes precisam para os
cuidados do dia a dia, atendimentos especializados de fisioterapia, psicologia,
fonoaudiologia, terapia ocupacional, embora nada disso seja de acesso
fácil no SUS. Há uma concepção equivocada e generalizada entre a população
brasileira de que dar assistência é só dar medicamentos, como
se a saúde de alguém dependesse só de medicamentos. Existem 8 000
doenças raras e não chegam a vinte aquelas que se beneficiariam atualmente de
medicamentos órfãos; porém, como o Ministério da Saúde não consegue
resolver o problema do acesso aos medicamentos órfãos, 10 milhões de
brasileiros que muito se beneficiariam de uma simples consulta de aconselhamento
genético no SUS são prejudicados pela inércia do Ministério da Saúde.
Assim, não há nem assistência mínima, ampla e de baixo custo, nem tratamento
medicamentoso caro para quem tem uma doença rara.
O
governo, quando criticado por essas questões, alega que tem um
programa organizado para detectar doenças raras através da triagem
neonatal (teste do pezinho), que no entanto atinge apenas meia dúzia entre as 8
000 doenças raras. Entende a SBGM que, quanto mais organizado, amplo e
profissionalizado for esse atendimento, menor será o número de
pacientes que terão acesso a medicamentos órfãos quando não houver uma clara
indicação clínica para o uso delas. Hoje em dia, via judicial, não é difícil
conseguir o direito ao tratamento, até mesmo quando em alguns casos possa não
haver indicação para tanto.
O
histórico descaso do Ministério da Saúde com o atendimento de quem tem uma
doença rara
Em 2009 e
depois em 2014, o Ministério da Saúde publicou
duas portarias “instituindo uma política nacional de
atendimento” a doenças raras no âmbito do SUS”. Ambas
as portarias não saíram da gaveta do tecnocrata, o mesmo tecnocrata
que agora reclama dos impactos maléficos da judicialização. Esse mesmo
tecnocrata procrastina a elaboração de Protocolos e Diretrizes Clínicas (PCDTs)
para atendimento das pessoas com doenças raras, incentivando, dessa forma,
ainda mais a judicialização, pois sem protocolos os medicamentos não
podem ser incorporados nem distribuídos no SUS. Em relatório
do Conitec de setembro de 2014 esse órgão elenca doze PCDTs para
serem implantados em 2015. Em maio de 2015 mais uma vez, uma portaria que ficou
só no papel! O Ministério da Saúde publica mais uma
portaria, dessa vez tornando pública a decisão de aprovar a
“priorização” de PCDTs para doenças raras no âmbito do Sistema Único de Saúde
SUS. Doze PCDTs são anunciados, parece que algo vai acontecer!
Tal portaria exigindo urgência já está vigente há mais de um ano e meio,
e, pasmem, desde então nenhum protocolo novo foi publicado! A grande verdade,
que poucos têm coragem de falar, é que não é uma prioridade do Ministério
da Saúde facilitar o acesso ao diagnóstico de doenças raras em geral,
especialmente aquelas para as quais existem tratamentos caros, já que, quanto
mais pacientes com doenças raras para as quais existem tratamentos caros forem
diagnosticados, maiores serão os gastos com o tratamento
pelos medicamentos órfãos. A judicialização torna o medicamento ainda
mais caro, porque o governo perde o poder de negociar e de se planejar para
lidar com estoques, sujeita-se a monopólios de distribuição dos
medicamentos, perde a capacidade de administrar compras, é ineficaz em relação
à escala e tem dificuldade de controle das quantidades consumidas e
estocadas.
Quem
ganha e quem perde com a judicialização dos medicamentos órfãos?
O governo
sempre achou que gasta menos com a judicialização do que com o acesso oficial a
todos que fazem jus aos tratamentos. Os números da judicialização explodiram,
demonstrando o grande erro de estratégia do governo. Não foi por falta de
alerta da SBGM, que, através de seus pesquisadores, publicou inúmeros estudos,
feitos aqui no Brasil, mostrando justamente o contrário! Certamente alguns
pacientes que recebem medicamentos órfãos via judicial não os receberiam se
houvesse um protocolo científico definindo quem, como, quando e por quanto
tempo cada medicamento órfão deveria ser usado.
Por que a
Anvisa demora anos para dar o aval a medicamentos órfãos?
Claro que é
necessário reduzir drasticamente a judicialização dos medicamentos órfãos e que
não é possível oferecer tudo a todos, mas isso não pode ser
feito à custa do bloqueio do acesso dos medicamentos que já passaram
por rigorosíssimos testes de segurança e efetividade nos órgãos internacionais
FDA (EUA) e EMA (Comunidade Europeia). Não há como negá-los aos pacientes que
realmente têm indicação e serão beneficiados por medicamentos órfãos, mas sim
adotar critérios de inclusão, que passam inexoravelmente pela estruturação do
atendimento público a pacientes com doenças raras no Brasil. Há no país um
consenso sobre a morosidade da Anvisa, que entre as inúmeras e infindáveis
etapas do processo de registro de um medicamento órfão no Brasil, faz visitas
locais as indústrias localizadas no exterior, visitas essas que são
consideradas totalmente desnecessárias quando estes medicamentos já foram
previamente aprovados pelo FDA ou EMA. Uma profunda revisão do processo de
aprovação de medicamentos pela Anvisa poderia ser um ato fundamental
para diminuir drasticamente a judicialização. Grande parte do problema
da judicialização se resolveria se
a Anvisa tivesse um processo rápido de registro de um
medicamento órfão, aliás, como determina o artigo 12 da lei nº
6.360, de 1976, no seu § 3º, aonde, deixa claro que o registro
deveria ser concedido no prazo máximo de 90 (noventa) dias, a contar da data de
entrega do requerimento, salvo nos casos de inobservância dessa lei ou de
seus regulamentos. Ora, se o governo estivesse realmente empenhado em investir
na melhoria da resolutividade da Anvisa, já não o teria feito
evitando que se chegasse ao caos atual?
Seria
esta questão mais uma no rol de disputas entre o direito coletivo e o direito
cidadão?
Ao contrário
do que alguns querem levianamente fazer crer, não se trata de mais uma
discussão entre o Direito pessoal versus Direito
coletivo. Não se trata do direito de uma minoria versus o
direito de uma maioria. Os pacientes com doenças raras não têm absolutamente
nenhuma autonomia sobre qual medicamento órfão eles precisam, qual volume
ou se o medicamento de que precisam é caro ou não. Aqui o que está em jogo é o
que a sociedade brasileira (que afinal é quem paga) quer para todos que ficam
doentes. Queremos uma sociedade utilitária, em que vidas tenham um custo
determinado por fármaco-economistas e tecnocratas, dependendo da frequência das
doenças na população, ou uma sociedade que não abra mão dos princípios de
universalidade, igualdade, equidade, que, aliás, nortearam a criação do SUS?
Equidade é tratar diferentes de forma diferente, que é exatamente o que
se necessita neste contexto dos medicamentos órfãos. Apesar de utópico,
não podemos abrir mão de perseguir a ideia de viver em uma sociedade em que
todos tenham direito a uma vida plena, independentemente da doença que os
acometa. Não se trata de um direito de uma minoria, e sim da vontade
de uma maioria que entende que ninguém está livre de vir a ter em sua família
alguém afetado por uma doença rara. E que, ainda que a doença não acometa
alguém da sua própria família, entende que não se pode negar o acesso a melhor qualidade
de vida, mesmo que tenha de tirar dinheiro do próprio
bolso para tratar o próximo. Já pagamos do próprio bolso por coisas
muito menos relevantes. É nitidamente imoral negar o acesso a
um medicamento que faz a diferença entre a vida ou a morte, ou mesmo
àquele que apenas melhora a qualidade de vida, em especial quando não há no
mercado nenhuma alternativa tão eficiente como aquele medicamento.
Contanto, claro, que o medicamento em questão seja seguro e não
experimental. Temos de lembrar que mesmo que
o medicamento não cure ou não contenha a evolução da
doença ele pode manter o paciente em boas condições para ter acesso à
geração seguinte de medicamentos que virão; certamente mais eficientes. Você
sabe quanto custa ao Brasil oferecer transplantes de órgãos pelo SUS? Isso não
se discute, porque se entende que o número de transplantes que o governo paga
não deve ser medido por regras de custo-eficiência, apesar de os
receptores terem, em geral, uma expectativa de vida diminuída e há
um alto custo de manutenção de medicações imunossupressoras e
tratamentos para complicações . Quando se trata de salvar vidas, há que ter
flexibilidade nas regras. Equidade é a palavra-chave!
Se o
governo não ocupa o espaço, alguém vai ocupar
Já vimos
recentemente na história do Brasil outras situações em que o Estado abandonou a
população, como em territórios do Rio de Janeiro, onde o poder público
simplesmente não entra: o caos se instala. E quando isso acontece, até mocinhos
viram bandidos. No abandono dos pacientes com doenças raras pelo Estado
brasileiro há abusos evidentes de parte das indústria
farmacêutica, de alguns advogados, associações de portadores de
doenças raras e até da classe médica. As máfias da saúde sentem-se impunes
e em campo fértil para atuar. Admitir isso é dar um passo para uma
conciliação das partes, pois hoje todos estão sendo prejudicados. Mas a questão
mais relevante independe de tudo isso e independe do preço
do medicamento: quando o remédio é para uma doença rara, não há outro
melhor e tão segura, ele melhora a saúde e estabiliza as manifestações dessa
doença. Por isso, devemos tratar tanto Ana e Pedro quanto as
outras 100 pessoas.
Como
enfrentar este grave problema de forma justa e planejada?
Como podem
ver, o problema é gigantesco, e a raiz dele é o descaso na implementação de
uma política pública para atendimento aos pacientes com doenças
raras: todo o resto é consequência. Uma análise mais profunda torna claro que
tal problema não será resolvido simplesmente com uma possível jurisprudência
baseada no STF, para que o juiz de primeira instância possa
rechaçar o pedido do paciente para que o Estado custeie o medicamento. Para não
ficar a ideia de que “Hay gobierno? Soy contra” seguem várias propostas
para reduzir a judicialização de medicamentos órfãos no Brasil.
A curto
prazo
O Ministério
da Saúde deve implantar imediatamente as ações previstas na Portaria nº 199, de
30 de janeiro de 2014, que institui a Política Nacional de Atenção Integral às
Pessoas com Doenças Raras, fazendo com que o Brasil tenha, antes tarde do que
nunca, uma política ampla, clara e transparente de atendimento aos pacientes
com doenças raras. Tal portaria é discutida há doze anos e
já está absolutamente pronta há três anos; é só tirá-la da gaveta e aplicá-la.
O Ministério
da Saúde deve acatar a decisão do próprio Ministério da Saúde e
desenvolver e implementar em caráter de urgência (em semanas, e não em anos…) o
maior número possível de protocolos clínicos e diretrizes
terapêuticas para doenças raras, contendo normas e informações detalhadas
sobre como proceder quanto ao diagnóstico, aos critérios de inclusão e de
exclusão dos tratamentos e acompanhamento dos pacientes em relação ao manejo de
doenças raras no SUS. Chega de portarias, o país precisa de atitudes
práticas!
Com o apoio
do Conselho Federal de Medicina, da Associação Médica Brasileira e das
Sociedades de Especialidades Médicas, em especial da Sociedade Brasileira de
Genética médica, o governo deve criar e implantar núcleos médico-científicos
que estejam constantemente revisando esses PCDTs.
O governo deve
revisar profundamente o fluxograma de aprovação de medicamentos órfãos
pela Anvisa, melhorando a eficiência e
agilidade desse órgão regulador, o que evitaria muito a
judicialização por pura lentidão e burocracia. Se realmente há falta de
recursos humanos na Anvisa, a contratação de mais quadros seria, aqui
sim, custo-efetiva!
O governo
deve implantar uma Rede Nacional de Vigilância Epidemiológica específica para
doenças raras, que possibilite definir prioridades de atendimento, baseadas nas
possíveis diferenças epidemiológicas deste país continental. Não temos dados
fidedignos sequer da
prevalência dessas doenças. E cobrar de forma
enérgica os médicos para que alimentem corretamente esse cadastro.
No sentido
de ajudar os juízes que precisarem decidir sobre um pedido de medicamento,
o governo deve criar e implantar núcleos técnicos municipais,
estaduais e federais para tratar de todas as questões referentes aos processos
judiciais relativos a doenças raras. Já existe uma iniciativa do CNJ nesse sentido
criando os Núcleos de Apoio Técnico do Poder Judiciário, mas essa iniciativa
precisa urgentemente sair do papel, bem como governo e CNJ devem
entender que esses núcleos técnicos devem incluir também dois atores
importantíssimos, que hoje em dia, por incrível que pareça, não fazem parte das
discussões oficiais; a indústria farmacêutica e a sociedade civil, essa
última representada obrigatoriamente também pelas associações de pacientes com
doenças raras. Sem ouvir mais de um representante dessas duas partes, nunca
teremos uma redução da judicialização de medicamentos órfãos. Mas cabe aqui
lembrar que essa atitude não visa a prevenir a judicialização, mas
sim tornar as decisões judiciais mais embasadas. A Corte do Rio Grande do Sul,
por exemplo, assumiu papel de vanguarda ao compor, em 2012, o Comitê Executivo
Estadual da Saúde, que luta pela redução do número de processos judiciais nessa
área. Mesmo que quatro anos tenham se passado, o Rio Grande do Sul é ainda,
disparado, o estado com maior gasto de judicialização de medicamentos
proporcional ao número de habitantes. O caminho mais importante é prevenir a
judicialização, e não só remediá-la! Essa medida é importante, mas, sem todas
as outras aqui descritas, terá impacto pequeno no problema, que é muito mais
amplo.
O governo deve
melhorar a eficiência e agilidade da assistência farmacêutica no serviço
público, para evitar judicialização por lentidão e burocracia. Medicamentos já
registrados pela Anvisa e incluídos na lista do SUS muitas vezes
não estão disponíveis nos hospitais públicos ou nas farmácias
públicas de alto custo. Pasmem, a falta de acesso a esse tipo de medicamento,
que o governo já não se opõe a fornecer, representa
hoje 52% do volume das ações judiciais de medicamentos órfãos! Melhorar a gestão
pública já reduziria à metade o número de judicializações. De quem é a culpa,
ao menos por metade dessa pizza da judicialização? Falha
administrativa, negligência, incompetência da entidade pública?
O governo deve entender e aceitar que o mundo das doenças raras é
bastante diferente do mundo das doenças prevalentes, e, portanto, deve tratar
de forma diferente aqueles que são diferentes, para que todos possam ter acesso
aos tratamentos seguros e eficazes. Equidade! Precisamos de novos modelos de
incorporação de medicamentos órfãos, uma vez que não podemos incorporar à lista
do SUS apenas aqueles que são custo-efetivos.
A médio
prazo
Criar
alternativas para financiamento dos medicamentos órfãos, por exemplo, com
incentivos para parcerias público-privadas.
Investir no
desenvolvimento e na pesquisa de medicamentos para doenças raras. Basta de leis
que dificultam as pesquisas sobre doenças raras no Brasil, como aquelas que
obrigam as indústrias farmacêuticas a pagarem pelo resto da vida pelos
medicamentos que usam os voluntários que participam de pesquisas. Quando
falamos em doenças raras, esses poucos pacientes podem significar uma parcela
importante dos pacientes que vão necessitar dos medicamentos depois da fase de
pesquisa finalizada. Qual indústria vai se atrair por investir suas
pesquisas clínicas no Brasil? Basta de ser conhecido como o país que pouco
investe em pesquisa, mas é eficiente na quebra de patentes!
Isentar de
impostos materiais médicos e medicamentos sem equivalência no Brasil, que
obrigatoriamente precisam ser importados; o que certamente facilitaria para
quem tem condições financeiras de adquiri-los.
Aumentar
gradativamente o investimento em saúde nos orçamentos federais, estaduais e
municipais.
A longo
prazo
Como o
dinheiro é limitado, o país precisa definir quais são as prioridades, onde
gastar o dinheiro. Devemos gastar na organização de Copa do Mundo e de
Olimpíadas? Em propaganda estatal? Na compra de talheres de prata para o
Itamaraty? Ou na compra de medicamentos para tratar de todos os doentes,
independentemente da raridade da doença? Reconhecendo essa realidade, o juiz
federal Paulo Marcos Rodrigues, de Guarulhos, recentemente determinou que a
União use verbas da publicidade oficial, e não do SUS, no montante aproximado
de 1 milhão de reais ao ano, para fornecer medicamento importado a uma jovem
com doença rara.
“Moroalisar”as
torneiras da corrupção por onde escorre boa parte do dinheiro que poderia ser
destinado aos medicamentos órfãos. Segundo dados oficiais do TCU, só de 2002 a
2011, foram desviados 2,3 bilhões em 3 205 fraudes ocorridas
no Ministério da Saúde! Como dizer aos pais de uma criança com doença
rara que dinheiro é finito e para o medicamento que melhoraria a
saúde do filho deles não sobrou? Na Bélgica e na Holanda, dizer que o
dinheiro é finito deve ser mais convincente…
Fonte: Blog Letra de Médico
Nenhum comentário:
Postar um comentário